segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

NO TEMPO DA DELICADEZA

É certo que a humanidade possua certa dose de agressividade, inerente à sobrevivência. Também certo que tal dose deve ser elaborada e não necessariamente dirigida concretamente ao outro. Certa dose de agressividade exclui os casos patológico-normais dos portes de armas ilegais, como as ameaças sutis e extorsões, num processo sistêmico intencional de culpabilização, vitimização e revitimização.

O perversista impõe, por uso da força bruta, suas ordens ditadas. Ou seja, num segundo momento, pode fazer uso de um AR-17 ou AK-47, ou de armas mais inovadas, perdoem a ignorância. Melhor a primeira opção. Sim, Senhor. Ou melhor, não se tem opção. A não ser tornar-se espelho, o que significaria sujar as mãos com as imundices incuráveis e quase sem basta da humanidade.

Às avessas, a agressividade, aqui, não atinge a elaboração do secundário, do cultural, pela via das artes, do simbólico, da imaginação, da palavra falada e dita, o que não permitiria passar ao ato. Mas, num empobrecimento brutal, os mais fortes e espertos apresentam-se com contornos concretos.

Assim, tornando-se patologicamente-normal, remetem-nos ao conto O Alienista de Machado de Assis, aonde toda a sociedade vai sendo enviada aos espaços de exclusão. Fosse na atualidade, somente a delicadeza fica livre e solitária. Mas é o contrário. Perde-se o delicado. O tom da ironia horripilante expõe, aos menos concretos, os riscos de terem sido tornados humanos, ou seja, buscam fantasias e abstrações, sem onipotências, nem a inebriação do poder eterno.

A pulsão é de morte, já dizia Freud. Trata-se de revirá-la em vida, tal qual a transferência negativa é improdutiva e pode ser revirada, com toda sua intensidade, em amor. Cuidado. Amor e ódio têm a mesma força. Somente a indiferença fica imune. Esse é o semblante do analista.

Ainda no conto de Assis, a alma fica, então, relativizada entre a delicadeza interior e a necessidade de gangues armadas para sobrevivência exterior. Foi embaixo de viadutos que o poeta Gentileza escreveu seus poemas coloridos, ou seja, literalmente sobre o concreto cinza do Rio de Janeiro, após ter sobrevivido - e supostamente ficado louco -, face ao incêndio do circo onde trabalhava.

Talvez Gentileza, cujo único lugar findou ser lugar algum, tenha ocupado o tempo chamado sempre, conseguindo escrever no vão entre as almas concretas e simbólicas. É o nó da Banda de Moebius. Lugar este que somente os artistas podem ocupar. O lugar da dignidade.

Viver dignamente, com condições básicas, parece um direito constitucional, mas, de fato, é uma sorte ou azar no dia-a-dia das grandes capitais.

Gentileza gera delicadeza. E que nos gere também a fartura das letras feitas para moradia, educação, cultura, dentre outras necessidades humanas. Já dizia o poeta, a poesia é pra comer.

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