segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O CARECA ORIGINAL

Ao Querido Marcos França

A verdade é que os carecas estão em voga, depois de anos de repressão. Tribos raspam a cabeça com contornos sedutores que nos levam imaginar a alma que portam. Com todo respeito, esses não são os cariocas originais. São lindamente belos, porém, ainda imaturos. Eu explico. O careca verdadeiro já passou por todas as fases: do desespero à resignação, incluindo as mechas desfiadas que supostamente deveriam esconder a careca. Toda transição deste careca implica num acúmulo de experiência que inclui desde a rejeição até a atração. Os carecas sabem lidar com extremos. Enfim, quando assumem que careca não tem idade, mas transições, tornam-se os mais atraentes dos homens. O que pode ser um ledo engano. É verdade. Mas não custa arriscar. Elas não gostam mais, nem menos, mas elas gostam dos carecas. Os chapéus também ganham um charme divino nos carecas. Um careca que sabe diferenciar deboche de humor é melhor ainda. Vida que ressignifica a cultura. E vice-versa. Beijos, Dionnara.

LINK: http://elasgostamdoscarecas.blogspot.com

NO TEMPO DA DELICADEZA

É certo que a humanidade possua certa dose de agressividade, inerente à sobrevivência. Também certo que tal dose deve ser elaborada e não necessariamente dirigida concretamente ao outro. Certa dose de agressividade exclui os casos patológico-normais dos portes de armas ilegais, como as ameaças sutis e extorsões, num processo sistêmico intencional de culpabilização, vitimização e revitimização.

O perversista impõe, por uso da força bruta, suas ordens ditadas. Ou seja, num segundo momento, pode fazer uso de um AR-17 ou AK-47, ou de armas mais inovadas, perdoem a ignorância. Melhor a primeira opção. Sim, Senhor. Ou melhor, não se tem opção. A não ser tornar-se espelho, o que significaria sujar as mãos com as imundices incuráveis e quase sem basta da humanidade.

Às avessas, a agressividade, aqui, não atinge a elaboração do secundário, do cultural, pela via das artes, do simbólico, da imaginação, da palavra falada e dita, o que não permitiria passar ao ato. Mas, num empobrecimento brutal, os mais fortes e espertos apresentam-se com contornos concretos.

Assim, tornando-se patologicamente-normal, remetem-nos ao conto O Alienista de Machado de Assis, aonde toda a sociedade vai sendo enviada aos espaços de exclusão. Fosse na atualidade, somente a delicadeza fica livre e solitária. Mas é o contrário. Perde-se o delicado. O tom da ironia horripilante expõe, aos menos concretos, os riscos de terem sido tornados humanos, ou seja, buscam fantasias e abstrações, sem onipotências, nem a inebriação do poder eterno.

A pulsão é de morte, já dizia Freud. Trata-se de revirá-la em vida, tal qual a transferência negativa é improdutiva e pode ser revirada, com toda sua intensidade, em amor. Cuidado. Amor e ódio têm a mesma força. Somente a indiferença fica imune. Esse é o semblante do analista.

Ainda no conto de Assis, a alma fica, então, relativizada entre a delicadeza interior e a necessidade de gangues armadas para sobrevivência exterior. Foi embaixo de viadutos que o poeta Gentileza escreveu seus poemas coloridos, ou seja, literalmente sobre o concreto cinza do Rio de Janeiro, após ter sobrevivido - e supostamente ficado louco -, face ao incêndio do circo onde trabalhava.

Talvez Gentileza, cujo único lugar findou ser lugar algum, tenha ocupado o tempo chamado sempre, conseguindo escrever no vão entre as almas concretas e simbólicas. É o nó da Banda de Moebius. Lugar este que somente os artistas podem ocupar. O lugar da dignidade.

Viver dignamente, com condições básicas, parece um direito constitucional, mas, de fato, é uma sorte ou azar no dia-a-dia das grandes capitais.

Gentileza gera delicadeza. E que nos gere também a fartura das letras feitas para moradia, educação, cultura, dentre outras necessidades humanas. Já dizia o poeta, a poesia é pra comer.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

JURA

Jura no cotidiano
Pra não fugir da técnica
estrutural do jazz
refrão e improviso, aviso
condenação: culpado de reflexão.
São tuas ondas me quebram,
na praia,
em público amor e ódio,
meios, inteiros e fins.
Levas tudo que há
e a alma há de escapar.
Amo leitores
sem que os mereça.
Não os tenho escolhido.
Fico com ossos do oficio.
Querem entrar em contato,
à todo custo,
com o autor,
cruzamento entre obra,
e si mesmo.
Só a música me toca.
A escrita existe por si.
Nesta contramão,
a autoria perde-se
ponto final,
texto parido,
é visceral
é visceral
é visceral.
Te acuso, culpado, sem perdão.
As letras são provas de acusação
Se destas faltarem melodia, harmonia e ritmo:
proposta que eu chegue ao samba,
desde o navio negreiro,
até o preto e branco,
onde residem todos entretons.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

EXPLOSÃO II

Explodo
em sussurros
que passeiam esgotos.
Chego às matas
e cavernas.
Suicido-homicido
membros de mim.

Preto e Branco, 2011

POEMA SEM DATA

Meu nariz
respira ares do Irã.
Minha comida
envenenou o russo.
É muito apertado
o chão da China.
Monge é massacrado.
A pedra social mata a mulher
no corredor da pena de morte.
Segredos de Estado
revelam o amor.
Entre almas fúteis
para dor.

Preto e Branco, 2011.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

TOM

No tom

na tonalidade

entre

mão

porta

cerrada

entre

preto e branco

cinza estanho,

céu de Baleiro

link: http://diferocracia.fotoblog.uol.com.br/arch2009-05-24_2009-05-30.html
Link: http://diferocracia.fotoblog.uol.com.br/arch2009-05-10_2009-05-16.html

ESCURO

Enxergo

tato

olfato

formas

pernas

trêmulas

caminho

terra

desliza

alma

no vão

DESCONSTRUÇÃO

Pedra fumada

pedra gozada

no que corre

cachos jorrando

cimento

tijolo

areia

teto

e chão

TEMPO

O poema atravessa

sol de rachar na seca

temporal de inundar

esses desequilíbrios

da espécie desnatural

NADA

Magoada

Machucada

Alagada

Transbordada

Tempestade

Enchente

Arrastada

Correnteza

Perda total sem seguro

Antever inexistente

Não houve onde mudar

Reconstrói pisos e telhas

Tranca as portas

Já é outro lugar

DESABADA

WFM

Às vezes é preciso dizer - e falar - quase tudo

Pela palavra "quase", entende-se aquilo que é indizível,

incapaz de ser significado,

restando o som que, paradoxalmente,

ecoa silêncio.

Nesse entremeio, habita o sem sentido.


11 de janeiro de 2011

PRETO E BRANCO

Disse o amigo,

numa reflexão:

- Esse livro deveria chamar

O sapato da aranha.

Branco e Preto...

Pronto.

O poema já tinha evocado o oposto.

O livro havia atingido sua disfunção.